segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Retalho de um cotidiano

     Andava entediado.
     Uma  certa sensação de fastio da vida. E que não viessem perguntar o porquê!
     Nesse dia as coisas pareciam ainda piores. O dia parecia mais feio. A gata parecia mais arredia. O Seu Dirceu da padaria parecia mais carrancudo e o pai parecia mais bravo do que de costume.
     Só a vó... só ela continuava com o mesmo olhar doce e amoroso e com o colo aconchegante, que foi onde ele resolveu buscar certo acolhimento.
     A vó não perguntou nada, porque já sabia. Ela sempre sabia. A vó apenas sussurrou uma canção que, de alguma maneira, fez um afago no coração do menino que se aninhou ainda mais.
     Sempre pensei em avós como anjos, desses que Deus modela com muito cuidado e com dose cavalar de amor e compreensão. Dizem que mãe tem sexto sentido... e eu diria que vó tem sétimo!!! Elas sabem de tudo o que se passa dentro da gente! Pelo menos essas, que se deixaram moldar pra serem anjos!
     O menino tanto se aninhou ali, que acabou cochilando. E sonhou...
     O bom dos sonhos é que não precisam ter sentido algum, nem pra nós, nem pra ninguém. O bom também é que a gente pode consertar tudo de errado quando sonhamos. E mesmo que a solução seja passageira e dure apenas até a gente acordar, nos sentimos aliviados do peso da vida por algum tempo... fora que podemos voltar a sonhar!
     E ele sonhou...
     Via sua mãe, vestida como se fosse pra festa. - Como estou? - ela lhe perguntava; e ele respondia - Linda como sempre! E os dois sorriam, davam as mãos e saíam andando juntos, iam ficando pequenininhos, pequenininhos até sumirem.
     Ele despertou esboçando um discreto sorriso, abriu os olhos e viu os olhos sorridentes da vó, que lhe perguntou:
- Estava sonhando?
- Sim
- E era bom, né?
- Mamãe estava linda! Íamos pra festa juntos!
- Ela vai voltar, não se preocupe.
- Tô com saudades, vó!
- Eu sei... também estou...
- Será que ela pensa em nós? Será que ela sente saudade de mim?
- Com certeza! Quem uma vez aprendeu a te amar, quando estiver longe sempre vai sentir saudades!
- Não sei...
- Vamos lá comer o bolo que a Tinãna fez?
- Não sei...
- Mas você gosta tanto dos bolos dela! Vamos!
- A Tinãna é nossa parenta, vó?
- Não, por quê?
- Só passou pela cabeça. Você sempre conta que ela mora aqui há tanto tempo.
- É, nesse caso é como se fosse mesmo, né?
- Vó? ...
- Oi?
- Que cor tem a tristeza?
- Cinza, será?
- Estou me sentindo cinza hoje!
- É só a saudade. Vai passar! E se a gente for comer o bolo, passa mais rápido ainda!
- Vó, e a alegria?
- Azul? Não sei... acho que a alegria é colorida!
- É, faz sentido! Queria me sentir mais colorido de vez em quando!
- E como você acha que isso pode acontecer?
- Não sei. Talvez tentando colorir cada dia cinza com uma cor diferente que aparecer, até misturar tudo e ficar colorido!
- Sabe de uma coisa? Você é colorido pra mim! Mesmo quando você diz que se sente cinza!
- Vó? ...
- Oi?
- Obrigado!
- Como assim?
- Você acabou de me dar uma cor! E hoje à noite, quando eu sonhar de novo com a mamãe, vou ter mais uma, quem sabe duas ou mais? E se o papai não estiver bravo comigo amanhã, eu junto outra ainda... É, acho que nem vai ser tão difícil, né?
- Viu? Vem com a vó! Vamos lá comer o bolo e, quem sabe, a gente não encontra outras cores pelo caminho?

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