quarta-feira, 4 de abril de 2018

Sorvete vermelho e Graça

Numa tarde ensolarada de setembro (2017)

     Entrei na sorveteria e a garotinha me olhou com olhos vivos e um sorrisinho feliz.
      - Oi! - eu disse, e sorri de volta.
     Ela não tinha 3 anos ainda. Estava com a boca deliciosamente melecada de um sorvete vermelho. Parecia extasiada, se sentindo no paraíso. Curtia o momento como se ele nunca fosse acabar, sorrindo para aquele potinho de sorvete vermelho à sua frente. Batia as perninhas de alegria e não parava de sorrir . Me olhou de novo e voltou a fixar os olhos no sorvete.
     Falei com o sempre muito simpático atendente qual sorvete eu queria e, depois de ser atendida, sentei-me para também curtir o meu paraíso! Fiquei observando a garotinha.
     Sua mãe estava sentada ao lado dela e olhava para a tela do celular.
     E a criança falava...
     - Mamãe, meu soveti tá boooom!
     - Que bom, filha. - respondeu, sem nem olhar para aquela coisinha empolgada de boca, bochechas e queixo vermelhos.
     - Mamãe, agola aqui tá abéto. Agola eu posso tomá soveti.
     - É verdade... - diz a mãe, olhando fixamente para o celular.
     - Não tava abéto, né mamãe? Agola tá...
     - É... - olhando ainda para o celular.
     - Mamãe, esse soveti é muito, muito bom!
     - ...
     - Mamãe, aquela culézinha é da cô do meu soveti.
     - Que legal, né filha? - ainda olhando só para o celular.
     - E a busa da moça tamém.
     - Pois é... - e nem viu que moça era, com os olhos fixos no celular.
     O olhinho da menininha brilhava. Ela ia tentando, com aquele desconserto de quem ainda aprende a segurar a colherzinha tão pequena em sua mãozinha ainda menor, trazer novos pedaços de sorvete à boca. Não conseguia sempre, fazendo com que o sorvete caísse em cima da mesa. Ela então ia com a colherzinha naquele pedaço que havia caído, tentando recuperá-lo, quase sempre sem sucesso. E ela fazia umas caras muito engraçadas. Quando conseguia então, sorria um sorriso gostoso e inocente. Tive que, com muito esforço, vencer o ímpeto de ir até lá e apertar as bochechas dela. Mas a mãe não viu nada disso. Estava olhando para o celular! Não viu as caras engraçadas, não percebeu a graciosidade nos gestos, não acompanhou o esforço da filha para ser independente, não pode oferecer ajuda ou dar um "apoio moral" para aquela tentativa tão ingênua e natural, não compartilhou o momento de êxtase da pequena, não participou da alegria dela, não percebeu as conexões que aquele serzinho já fazia com o mundo à sua volta, não vivenciou a delícia de estar e se fazer presente, não aproveitou o momento pra se fazer mais próxima e aprofundar laços.
     Você pode argumentar que eu vi apenas aquele momento entre as duas e que já estou julgando a pobre mãe. Você tem toda razão! Mas, de qualquer maneira, a cena me fez refletir sobre gestos talvez banais e corriqueiros que, na sua simplicidade, porém, teriam o poder de nos reconduzir...
     Naquele momento pude me perceber como aquela mãe, e me envergonhei.
     Deus está ali, próximo, ao lado, revelando Graça, mas insisto em olhar para a direção errada! Deus, que é real, conversa comigo, mas não escuto direito, vou resmungando com desatenção, sem foco ou focada no que nem é assim tão interessante. Deus, com os pequenos e singelos gestos, Dele e daquele que me é próximo, revela Seu amor, Ele insiste em chamar minha atenção, e eu insisto em afetos que muitas vezes nem tão reais são, dando importância ao que ou a quem nenhuma real importância possui! Vou me distraindo no meio do caminho e perdendo momentos que poderiam enriquecer afetos, amadurecer e aprofundar relações. Vou perdendo o que poderia vir a ser boas oportunidades de crescimento e intimidade. Vou perdendo as chances de conexão com o outro.Vou perdendo momentos preciosos. Vou perdendo o rumo. Vou perdendo a Graça...
     E aí cito a parte do livro que eu estava lendo e que me veio à mente naquele momento na sorveteria:
     "[...] Deus, na sua bondade, nos livra de nós mesmos e nos coloca novamente no caminho da benção. Não é esforço próprio que nos guia na direção dos valores e prioridades do reino de Deus. Não é a determinação da vontade que nos posiciona para receber as bençãos de Deus: solo gratia. Graça significa simplesmente isso: Deus, por meio dos seus próprios esforços e vigor incansável, realinha o desejo do nosso coração ao seu reino. Ele nos leva de volta à benção, mesmo quando, percorrendo a estrada do desejo, seguimos na direção errada." ("O que você quer" - Jen Pollock Michel - Editora Ultimato, 2016)
     E naquele momento, agradecida pelos poucos minutos em que pude admirar o olhar e a satisfação daquela criança, pedi a Deus que, na Sua bondade, realmente realinhasse constantemente o desejo do meu coração e me colocasse sempre de volta no caminho do reino. Que eu deixasse de me distrair tanto e tantas vezes!
     Quando terminei meu sorvete e meu devaneio, a menininha já tinha ido embora. Saiu feliz da vida, com a boca toda manchada e olhar de quem está muito satisfeita. A mãe? Caminhava, ainda olhando o celular, mas... segurava a mão da filha.
   
 

terça-feira, 3 de abril de 2018

Férias de novo!

(escrito em janeiro de 2018)

     Estou de férias!
     Ultimamente não sei bem o que isso significa de verdade, dado o fato de estar trabalhando por conta própria e envolvida apenas com alguns projetos pessoais, sem hora certa pra começar ou terminar, sem responsabilidades perante outros que não eu mesma e meu dia-a-dia em casa.
     Mas é fato,estou de férias, já que o marido está e muitos à minha volta também!
     Vivendo um outro contexto anos atrás, publiquei um pequeno texto aqui (Férias! - nesse link ou logo abaixo do texto) que demonstra bem o que seria férias pra mim naquele momento.
     Algumas poucas coisas mudaram... a casa virou apartamento, por isso a porta deve permanecer fechada e a paisagem da janela não raro é uma outra janela de um outro apartamento; mas tem o parque também, que me permite ver o verde pela janela e de onde ouço o alarido das crianças brincando!
     Os vizinhos mudaram de nome e hábitos - são gente de bem, mas gente de cidade grande, não vêm à minha casa pra tomar café e bater papo espontaneamente."Hay que invitar"!!!
     Os doces... tive que reduzir, não sem tristeza e muita resistência.
     O relógio... continua correndo com o tempo e eu, no momento, sempre contando as horas pros momentos felizes, que ainda incluem poder dormir sem hora pra acordar! 
     O Ler descompromissadamente aumentou de tamanho, mas compromissadamente também está valendo!
     O ócio criativo está cada vez mais ócio!
     E agora mais da metade do ano é meio "férias" mesmo!
     Aproveitando aqui as "pausas da vida", enquanto é tempo!
     Boas férias pra você também!

     Férias!
No verão gosto de me fazer cúmplice da displicência inofensiva e amiga.
Portas e janelas abertas...
Café com pão à tarde...
Vizinho que chega sem avisar pra bater papo...
Biscoitos, doces... muitos doces!!!!
Não olhar no relógio pra acordar... nem pra dormir...
Ler descompromissadamente...
Desfrutar do ócio criativo...
Acho que pelo menos metade do ano poderia ser férias!!!! 

segunda-feira, 12 de março de 2018

Recolhendo as vivências

     Relendo um texto antigo (Corriqueirices), talvez com algo de indecifrável para alguns, percebo meus dias, minha "corriqueirice" em BH, a simpática capital mineira.
     Tive que me mudar pra cá há exatos quatro anos - 28 de janeiro de 2014.
     Para algumas coisas, a percepção é de que um minuto não tem mais 60 segundos e sim uns 52 talvez! Já faz QUATRO anos!!!
     Para outras coisas, porém, me vejo com ar surpreso e acrescento "Só tem quatro anos???"
     Em quatro anos formei e casei uma filha e acompanhei a outra no seu desenvolvimento de uma estudante de ensino médio, se tornando quase uma profissional, já pra terminar seu curso de direito.
     Senti (e sinto) saudade delas TODOS OS DIAS!!!
     Perdi dois grandes amigos do mundo animal, os quais tive inclusive que deixar pra trás quando nos mudamos (e o coração ainda estremece com a lembrança!).
     Deixei a sala de aula do Ensino Médio, acho que pra sempre!
     Li várias coisas que sempre quis ler!
     Troquei empregada/amiga de 11 anos por faxineira de 15 em 15 dias, depois de passar um ano tentando sozinha ser a heroína da casa!
     Viajei dentro e fora, pra dentro e pra fora!
     Fui mais a médicos e dentistas!
     Frequentei hidroginástica e pilates e fiz caminhadas na Av. José Cândido (essas últimas poderiam ter sido mais frequentes! rsrs)
     Depois de mais de 30 anos, consegui realizar o sonho de, novamente, ter uma cachorrinha dentro de casa! Presente do dia das mães de 2015 e consolo para o ninho vazio! Lola, uma Shitzu preta e branca, companheirinha de todas as horas, que alegra muito meus dias!
     Recebi amigos, ainda que poucos ou menos do que de costume! Senti saudades (muitas) de outros!
     Conheci algumas (poucas) pessoas.
     Casei a irmã mais nova, com muita emoção e chororô!
     Vi as filhinhas da minha vizinha crescerem, aprenderem a andar e falar.
     Frequentei bem menos do que imaginei a tão antes por mim cobiçada feira hippie.
     Fui há alguns shows e programas envolvendo pessoas e história do "Clube da Esquina", que faz parte de mim desde a adolescência! Bela vivência!
     Estudei e li menos do que gostaria, mas mais do que poderia antes de vir pra cá!
     Aprendi a fazer crochet!!!
     Comecei algumas empreitadas, como aprender a costurar, mas não continuei (por enquanto! Tenho fé!).
     Tive um órgão importante de mim extirpado, aliás, o mesmo órgão que me permitiu gerar as duas coisas mais preciosas da minha vida.
     Sofremos a dor da perda.
     Sofremos a dor de ver os pais envelhecendo e enfrentando o peso dos anos e, em algumas ocasiões, virando criança outra vez...
     Conheci e tenho desfrutado da comunhão na Igreja Batista da Redenção -  a Redê (menos do que gostaria!) e nos "Grupos nos Lares", com uma turma que aprendi a amar muito!
     Escrevi mais... mas o desejo é escrever muito mais!
     Planejei muito, realizei nem tanto!
     Me apropriei mais de algumas coisas e me desfiz de vários pesos também!
     São tantos dias, tantas coisas!
     E a vida vai acontecendo...
     Na verdade, não tenho nada de especial a dizer... só isso mesmo; recolhendo as vivências! E alio a elas um versículo que diz realmente mais que o texto acima:
"Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio." (Sl 90.12)
(Texto escrito em 28.01.2018)

domingo, 14 de janeiro de 2018

O olhar alheio

O olhar alheio  que não nos pertence (ou ao qual não pertencemos!).     



     
     Quanto tempo perdemos ao nos preocuparmos em satisfazer os olhos alheios, ávidos de beleza estética (sempre relativa, questionável e, sem dúvida fugaz, efêmera, passageira...) naquilo que somos, ou melhor, que tentamos ser! 
     Quanta bobagem! Quanto tempo perdido!
     Melhor mesmo é ir ler um bom livro!